Segundo projecto de portaria do Ministério da Saúde para a IVG
Aborto: hospitais com médicos que aleguem objecção de consciência pagam intervenção noutra unidade
17.05.2007 - 18h03 Lusa
As instituições de saúde autorizadas a realizar abortos, mas impedidas de os praticar por os profissionais de saúde alegarem objecção de consciência, vão ter de encaminhar as mulheres para outros estabelecimentos e pagar as intervenções, segundo um projecto de portaria do Ministério da Saúde, que deverá regulamentar a lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG), até às dez semanas e a pedido da mulher.
A medida consta do projecto que define as regras "a adoptar nos estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos com vista à interrupção da gravidez". O diploma, a que a Lusa teve acesso e que está a ser analisado por especialistas, dedica um artigo à objecção de consciência dos profissionais de saúde que sejam contra a IVG e, por isso, se recusem a praticá-la.
Os profissionais que pretendam evocar este direito devem manifestá-lo por escrito e apresentá-lo "em tempo útil, de modo a que sejam garantidos, no mínimo indispensável, os cuidados a prestar e seja possível recorrer a outro profissional, se for caso disso".
De acordo com o documento, os médicos e profissionais de saúde que manifestem este direito deverão, contudo, "prestar a assistência necessária em situações decorrentes da interrupção da gravidez em que a saúde da mulher esteja comprometida e em risco".
O projecto de portaria - que deverá regulamentar a lei sobre a IVG, publicada precisamente há um mês em Diário da República - prevê uma resposta das instituições que, perante a objecção de consciência dos profissionais de saúde, fiquem impossibilitadas de realizar o aborto. Nestes casos, os estabelecimentos de saúde "devem desde já providenciar pela garantia da sua realização, adoptando as adequadas formas de cooperação com outros estabelecimentos de saúde legalmente habilitados, assumindo os encargos daí resultantes". As instituições de saúde poderão, inclusive, recorrer a outro profissional, após ter conhecimento "em tempo útil" da formalização da objecção de consciência dos médicos e demais profissionais de saúde.
De acordo com o diploma, "os profissionais de saúde objectores de consciência não podem em qualquer circunstância impor os seus fundamentos éticos ou morais, mas podem explicá-los à mulher se ela o solicitar".
Segundo o artigo 30º do Código Deontológico dos Médicos, "o médico tem o direito de recusar a prática de acto da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência moral, religiosa ou humanitária, ou contradiga o disposto neste código".
IVG com registo obrigatório anónimo e confidencial
Segundo a mesma portaria da tutela, todas as interrupções de gravidez legais, realizadas nas instituições públicas e privadas, terão de ser inscritas num registo anónimo e confidencial que reunirá dados da utente, da intervenção e da contracepção após o aborto.
O acto deverá ser assim precedido do preenchimento de pelo menos três documentos: o registo de interrupção da gravidez, o consentimento livre e esclarecido para a interrupção da gravidez e um certificado de comprovação do tempo de gestação.
O registo de interrupção da gravidez será "anónimo e confidencial e de preenchimento obrigatório" e reunirá "todas as interrupções de gravidez com enquadramento legal realizadas nos sectores público e privado". Este registo deverá conter dados da utente, da IVG e da contracepção após a intervenção.
Cada estabelecimento de saúde deverá, até ao dia 20 de cada mês, "proceder ao registo online das intervenções realizadas no mês anterior", lê-se no documento. A grávida terá ainda de assinar um documento de "consentimento livre e esclarecido para a interrupção da gravidez".
O diploma apresenta os quatro tipos de IVG, para que a mulher autorize o procedimento recomendado pelos profissionais de saúde: cirúrgico com anestesia local, cirúrgico com anestesia geral, medicamentoso e medicamentoso seguido de cirúrgico.
O documento prevê ainda que o profissional de saúde assuma que informou a grávida "do significado da interrupção da gravidez, assim como dos seus possíveis riscos e complicações". O outro documento que deverá proceder a IVG é um "certificado de comprovação do tempo de gestação", a preencher por um profissional de saúde e a atestar que a gravidez não excede as dez semanas de gestação, mediante observação por ecografia.
Mulheres devem ser informadas das possibilidades de adopção
Outra das recomendações da projecto do Ministério da Saúde é que as mulheres que queiram abortar devem ser informadas sobre as possibilidades de adopção. “Compete ao profissional de saúde disponibilizar informação sobre as condições de apoio que o Estado pode dar, designadamente, as previstas na legislação da protecção da maternidade e paternidade e as relativas à adopção. Tais esclarecimentos devem, preferencialmente, ser acompanhados de informação escrita", refere o projecto de portaria.
Esta foi uma das questões referidas pelo Presidente da República, Cavaco Silva, numa mensagem enviada ao Parlamento aquando da promulgação da nova lei do aborto. Para o Presidente, na consulta médica, a mulher deveria ter "conhecimento sobre a possibilidade de encaminhamento da criança para adopção, no âmbito da informação disponibilizada acerca dos apoios que o Estado pode dar à prossecução da gravidez".
Entre a informação que deve ser prestada à mulher está ainda o tempo de gravidez, os métodos de interrupção adequados ao caso concreto e esclarecimentos quanto a métodos contraceptivos.
O Presidente da República também defendeu como razoável a presença do progenitor na consulta obrigatória e no acompanhamento psicológico. "Se for essa a vontade da mulher grávida (...) deve ser autorizada que a mesma se faça acompanhar por terceira pessoa durante o processo de decisão", refere o documento.
A consulta obrigatória que antecede a IVG tem de ser marcada no período máximo de cinco dias após ser pedida pela grávida. A consulta prévia é o primeiro passo deste processo e cabe ao director de serviço de cada estabelecimento de saúde garantir a sua realização em tempo útil.
Artigo retirado do "Público" de 18/05/2007
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